Autoestima: você vai ficar boiando na superfície?
Macacão pantacourt cinza, chunky sneakers (aquele tênis alto e todo grandão que tá super na moda, sabe?), cabelo brilhando com a franja em um topete alto. A maquiagem é a de sempre: delineado de gatinho, aquele blush mais marcadinho e um batonzão vermelho. Essa era a imagem que eu via quando me olhava no espelho. Quando foi que me tornei esse mulherão?
Do trajeto da minha casa ao churrasco com os meus amigos, em tempos pré-pandêmicos, acabei me entretendo com todos os espelhos que passei na frente. Eu estava tão bem comigo mesma que nem aquela dor de cabeça que me atormentava há quatro dias conseguiu abalar minha confiança. Acontece que aquela dorzinha começou a aumentar e decidi sair mais cedo do encontro com os amigos e ir até o hospital que estava no caminho de casa.
Quando cheguei para ser atendida, a minha autoestima, confiança e amor próprio foram esmurrados por uma braçadeira de medidor de pressão. Precisei trocar quatro vezes de sala de atendimento para que a enfermeira encontrasse um aparelho que talvez fechasse no meu braço gordo.
Eu não sei o que me deixou mais triste: o olhar de dó da enfermeira, um hospital não ter equipamento adequado para pacientes gordos ou a sensação de inadequação que fiquei naquele dia e em alguns que seguiram.
Não há cropped, base de alta cobertura, shampoo, sapato, batom vermelho ou macacão que recupere a autoestima de uma pessoa que não cabe na sociedade em que vive. É isso que acontece com as pessoas gordas, elas não cabem nos espaços que lhe são de direito.
Os hospitais não nos cabem, pois não têm macas, aparelhos, cadeiras, cabines de tomografia e ressonância magnética e centros cirúrgicos que suportem o corpo gordo. Os bares e restaurantes não nos cabem, afinal não há cadeiras adequadas para o corpo gordo. Os cinemas e teatros também não nos cabem porque há apenas 2 cadeiras para pessoas gordas a cada 100 cadeiras de tamanho regular.
O mercado de trabalho não nos cabe, uma vez que sete em cada dez empresas não querem empregar pessoas gordas, de acordo com uma pesquisa realizada pela Catho. O transporte público não nos cabe, uma vez que tem catracas que impedem o trânsito livre do corpo gordo.
Não há cropped, base de alta cobertura, shampoo, sapato, batom vermelho ou macacão que recupere a autoestima de uma pessoa que não cabe na sociedade em que vive. Falar de autoestima é válido, mas temos feito isso de forma errada, na verdade, muito superficial.
Aqui eu trago o olhar de uma mulher gorda, mas a pauta autoestima é superficial em outras interseccionalidades também, como racial, social e de gênero, por exemplo. Como uma mulher que ganha 20% a menos que um homem e trabalha tanto quanto consegue ter autoestima? Como uma mulher que tem seu corpo hipersexualizado consegue ter autoestima? Como uma mulher que passa 4 horas dentro do transporte público para chegar ao trabalho e ganhar um salário mínimo consegue ter autoestima?
A autoestima é um lago bem grande e que pede um mergulho mais profundo. Eu já estou com meu equipamento de mergulho, você vem comigo ou vai ficar boiando na superfície?